segunda-feira, 4 de maio de 2015

O Circo da Noite - Erin Morgenstein



MORGENSTEIN, Erin. O Circo da Noite. Tradução de Claudio Carina.Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2012. 368 páginas.

Acabo a última página do livro e o cheiro de caramelo ainda está no ar... Bom, não posso dizer que coloco o livro de lado, pois li pelo iPad. O primeiro livro de literatura que me aventurei através do fio da tecnologia. Confesso que achei estranho a princípio. Aqueles percentuais dizendo o quanto eu li, e não o passar de páginas marcadas por um marca página especial. Mas, afinal, a história se mostrou tão envolvente que o meio se tornou apenas um detalhe.

Tomei conhecimento do livro no ano de seu lançamento pela editora. Foi meu pai o primeiro a ler e me recomendar a leitura. Deu de presente para a minha avó e comentou ter adorado. Segui seu conselho e dei de presente pra uma amiga, mas até duas semanas atrás não tinha resolvido me aventurar por suas páginas. A capa, que apaixonou muitos leitores, não me conquistou. Fato é que um dia me deparei diante de uma longa espera e nenhum livro à vista para ler. Foi quando descobri que este estava no acervo virtual e iniciei a leitura.

As linhas do livro nos conta a história de um circo diferente. Especial. Ele é fruto de um duelo travado anos antes da sua existência. Um jogo, dois rivais, várias peças, um amor. Mágicos e mágicas, ilusionistas, contorcionistas, videntes. Um mundo de magia envolto em cores, sons, sabores e cheiros. Uma descrição tão fantástica que nos transporta, de fato, para aquele circo, que acabou me lembrando muito... a nossa própria vida. Mas isso está nas entrelinhas. 

O livro é contado através da visão dos diferentes personagens. Vai e volta no tempo algumas boas vezes. A maioria dos capítulos são curtos, o que fez com que a história demorasse a fluir, acredito. O início é um pouco lento, mas ao mesmo tempo acionou o botão da curiosidade para saber o que estava por detrás de tanto mistério, de tanta mágica e tanto burburinho em torno de um circo todo especial. 

O livro gira em torno de alguns personagens principais. De um lado eu colocaria Próspero, o Mágico, e Alexander, o homem do terno cinza. De outro, Celia, a filha de Próspero, e Marco, o garoto escolhido por Alexander para enfrentar o duelo. Por fim, todos aqueles que se ligam ao circo: Bailey, o garoto que acaba tendo seu futuro definido pelo circo, os excêntricos patrocinadores do circo, os fãs (os rêveurs), os artistas.

Não sei se essa é uma leitura comum para os leitores do livro, mas a magia ali retratada é um tanto quanto diferente das magias de Harry Potter ou Senhor dos Anéis (sou fã de ambos também, diga-se de passagem). Não li a magia do les Cirque des Rêves como uma magia de outro mundo, distante do nosso. Mas como a magia do nosso mundo, disfarçada por olhos desatentos, olhos que não querem ver. É o que diz Próspero, o Mágico, em determinado momento, para sua filha Celia:

"As pessoas veem o que querem ver. E, na maioria das vezes, o que dizem para elas verem." (p. 29)

E essa é uma ideia que persiste no livro: 

"Duvido. As pessoas só veem o que querem ver" (p. 159).
"... isso não é magia. É a forma como o mundo é, só que poucas pessoas arranjam tempo para parar e observar". (p. 378)

 E não é verdade? Acredito muito nisto. 

Então, na verdade, não é aquela magia que "os trouxas" não podem saber da existência. É a magia que está entre nós e que podemos ver, se quisermos. Não posso deixar de lembrar um pouco de Dawkins, em seu livro "Deus, um delírio", e de suas várias e belas palavras sobre a magia do universo e da vida na terra. Estarmos aqui já é um milagre, independentemente de deuses, diz ele. 

E toda essa magia que não queremos ver vem acompanhada de ideologias de mundo contrastantes, representadas por Próspero e Alexander: "Duas escolas de pensamento colocadas uma contra a outra, funcionando no mesmo ambiente". É assim, que Alexander acaba descrevendo, já ao final do livro: 

"... muito tempo atrás, um de meus primeiros alunos e eu tivemos um desacordo quanto aos caminhos do mundo, sobre permanência e resistência e tempo..." (p. 375)

Próspero, que acreditava em pessoas especiais, em habilidades inatas, que precisavam apenas de aprimoramento e treino. Já Alexander, que acreditava no potencial através do estudo, técnicas e fórmulas precisas que poderiam estar ao alcance de todo mundo. E, isto, claro, refletido em seus pupilos. E eles "lutam por procuração", como afirma em certo momento Celia ao seu pai, "porque são covardes demais para se desafiarem diretamente". E completa: "Têm medo de fracassarem e não terem nada a culpar a não ser a si mesmos". Ora, ora, e não estamos diante de outro dilema da humanidade? Já dizia Sartre que "somos responsáveis pelo que somos", mas adoramos colocar a culpa de nossos erros em qualquer coisa fora de nós: destino, família, religião, etc. Não concordo inteiramente com a teoria existencialista de Sartre, mas em algum termo faz sentido para mim.

Mas porque já falei tanto, de tanta coisa, e tão pouco sobre a história e o Cirque des Rêves? Porque pra mim toda a história foi uma bela metáfora das nossas próprias singularidades. Contada de uma forma belíssima, aliás. A autora faz uma descrição minuciosa dos cheiros, das cores, dos sabores. Nos enebriamos com toda aquela profusão de sentidos. E podemos sentir, de verdade. Me vi entrando em todas aquelas tendas e vendo todas aquelas maravilhas. Afinal, não são as nossas experiências de vida como essas maravilhosas tendas? Surpresas, sempre surpresas. 

O romance entre Celia e Marco é uma magia em especial. Li algumas críticas um tanto quanto decepcionadas pelo desenrolar do romance. Eu, particularmente, não mudaria nada. Não li o livro esperando uma história de amor. Mas ali foi construído um romance tênue, delicado e envolto a uma tensão da impossibilidade... afinal, a paixão não se alimenta de impossibilidades? Li isto recentemente em algum livro emprestado: a paixão só existe quando não pode existir. Depois que a possibilidade se instala abre-se lugar para o amor. Mas a paixão está ali: nas impossibilidades da vida. 

Entre magias e impossibilidades, ali estão cravadas reflexões sobre a nossa própria existência. Bom, eu adoro ler as entrelinhas. Afinal, será que as entrelinhas existem ou são fruto da nossa imaginação? Nós mesmos, atuando como criadores na criação alheia? Seja como for, fico com o controverso Próspero: "Afinal, existem muitas formas de magia." E chego ao fim, com uma linha, que bem poderia ser uma entrelinha:

"As buscas carecem de clareza, objetivos e caminhos... e nunca há finais, felizes ou não. A coisas continuam, sobrepondo-se e se confundindo..." (p. 375)

3 comentários:

  1. Belíssima resenha. A resenhista captou o insight da obra, o fio condutor que a perpassa, a coreografia axiológica das danças dos valores, captando, dessa forma, os objetivos reflexivos densamente existências da autora. Toda obra literária é aberta ao rescrever do leitor, disse Umberto Eco, e foi isso que fez com muito brilho, a resenhista.

    Não é novidade, a afirmação que uma obra literária sempre diz mais do que pretende conscientemente o autor. É no contraponto fugático das entrelinhas que reside a magia do escrito, captado por um leitor em tensão dialética com o autor. Apesar das inúmeras interpretações ideológicas e existências que esse livro-metáfora permite, a resenhista saltou na garupa indócil da magia, cavalgando com a brisa salpicante no rosto, penetrando na região fronteiriça do crespusculo, local das verdades difusas que anseiam pela permanência, onde o "já foi" dialoga com o "vai ser", e o sol que se vai frente à noite que vem, entre o pio da coruja e o canto do galo, rescreve o dia pretérito em um futuro e desafiante dia.

    Afinal, não é a autora, citando Shakespeare, que diz que os sonhos são os estofos da vida?

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  2. Nossa, eu gostei muito desse livro, foi bem escrito e consegui me sentir nas tendas, foi muito bom! Você foi indicada para responder o Liebster Award:http://coisosecoisas.blogspot.com.br/2015/05/tag-liebster-award.html
    Bjks =)

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  3. Very cool! Have a wonderful thursday sweetie!

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